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O DESEJO É UMA LEGGING PRETA


     
              Foi-se o tempo em que o desejo desfilava por aí em jeans justíssimos! Ele agora bate pernas é de legging, uma peça simples, básica e disputada. Como pode ser?
            A roupa foi inventada para proteger, lá no tempo das cavernas, quando não passava de peles grosseiras e embiras para mantê-las no lugar. Mas a civilização foi inventada e a arte de ocultar e revelar em igual proporção não tardou a aparecer. Se, para o homem, o caráter prático predomina, para a mulher há muito mais coisa em jogo. A vestimenta tornou-se um meio de sujeitá-la, de impedir seus movimentos livres, de enquadrá-la de um modo ou de outro. Neste quesito, a parte de baixo tem uma história reveladora: a calça comprida para o homem existe desde a Idade Média, mas só no fim do século XIX ela foi admitida, de forma restrita, para as mulheres, com o nome de "culotte". E só se popularizou depois da Segunda Guerra Mundial, a partir dos anos 50, mais precisamente. A calça é, portanto, um símbolo de evolução e de conquista social para as mulheres.
          A arqueologia demonstra que a legging começou com outro nome, fazendo parte do grupo dos collants ou “colantes”, que podia ser muita coisa: blusa, top, body ou calça. Depois, collant passou a designar apenas uma vestimenta feminina de cima, semelhante a um maiô de banho.
    Os defensores dos tecidos macios e inimigos da calça inventada por um cowboy americano aplaudiram com entusiasmo o desembarque do uniforme inoficial das mulheres (jovens e nem tanto) de hoje: a legging... preta. Enfim, o imperialismo de Levi Strauss encontrou um adversário à altura, e com múltiplas vantagens.
Um collant não é uma legging. Só um homem não entende isso.

            As leggings parecem ser o máximo em conforto e podem ser vestidas em alguns segundos, ao contrário dos jeans hiper-justos. Menos um motivo para se atrasar na hora de sair. São práticas e muy sexys: protegem, realçam e valorizam as curvas. São ainda muito igualitárias e democráticas: nenhuma mulher trocaria sua pretinha básica por uma branca qualquer. Não distinguem classes sociais: podem ser compradas chez le camelot ou chez Dior. Enfim, tornaram o conceito de moda obsoleto: aquelas modelos de ar cansado desfilando sobre a passarela, vai e vem sem parar, poses, flashes e calos, e, na cabeça, um só desejo: libertar as pernas da tirania do andar de gato, através do toque elástico e suave de uma ... legging preta!
©
Abrão Brito Lacerda
03 11 14

           
           


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