Um amigo meu anda ultimamente às turras com Deus. “Não acredito mais”, disse-me, “faz anos que rezo e não saio da crise. E, no entanto, vejo gente sem fé se dando muito
bem na vida.” “Por que você não consulta um economista, um psicólogo ou uma
cartomante?”, sugeri. “Economistas falam economês, psicólogas são
boas na hora de arranjar emprego e cartomantes estão fora de moda”.
Que tipo mais inconformado! Sugeri que ele ouvisse Bach, o gênio que criou Deus à imagem e semelhança de sua música. “Não tenho paciência para música clássica”, me disse. “Mas
Bach não é clássico, é barroco". “Dá no mesmo.”
Ora, se o cristão não
ouve Bach, como pode sair por aí falando em nome de Deus? “Prefiro ouvir o pastor da minha igreja”, rebateu de imediato uma amiga minha, santa mulher, que só usa
saias abaixo dos joelhos e não depila as axilas. E eu que não sabia que os pelos do corpo
tinham a ver com Deus! “O pastor é músico também?” , perguntei na minha inocência. Minha amiga se irritou
francamente: “Você é um ateu!”
Ateu, eu? No, non, nichts, ni un poquito. Tenho ótimas relações com Deus, com o Espírito Santo, com Jesus Cristo, com toda a família.
Por exemplo: nunca
proclamo seu santo nome em vão. Quanto a essa conversa de sair por aí dizendo que Deus
manda e desmanda, que assevera e pune, que sabe o que está em seus pensamentos
tanto quanto em sua conta bancária é conversa para assustar criancinhas. E tem
mais: ele não se importa de sair do paraíso e aterrissar (isso é modo de dizer)
nas páginas de minhas histórias. Afinal, Deus
passa o tempo aconselhando os anjos, a quem delegou a lida diária com os problemas humanos.
Por exemplo, o sujeito vai a mil pela estrada, erra a curva
e acaba debaixo de um caminhão. O anjo Gabriel se prepara para descer em socorro. “Mas se o
cabeça dura tiver um longo histórico de imprudências – adverte o Senhor –,
deixe-o morrer!”.
E tem outra amiga que mandou estampar no vidro traseiro do carro: “Propriedade de Deus”. Esta semana, ela chegou para mim, indignada: “Alguém arranhou me carro! Sem que fazer!” “O carro é de Deus, mulher – tive a infelicidade de lembrar -, ele não dá importância a essas coisas.” Perdi a amiga.
E tem outra amiga que mandou estampar no vidro traseiro do carro: “Propriedade de Deus”. Esta semana, ela chegou para mim, indignada: “Alguém arranhou me carro! Sem que fazer!” “O carro é de Deus, mulher – tive a infelicidade de lembrar -, ele não dá importância a essas coisas.” Perdi a amiga.
Fui me consolar no Facebook e lá encontrei esta pérola: “Deus só
escolhe os fortes.” Que fraqueza levou alguém a erigir tal monumento à
arrogância? Decidi passar a história a limpo com Deus. “Um pastor pode devorar as próprias ovelhas ou deve deixá-las aos lobos?”, tomei a liberdade de lhe perguntar, afinal, somos amigos. “Por que você não procura o Afrânio”, foi a resposta
de Deus.
Corri para encontrar o
Afrânio, pois faltavam poucas linhas para terminar a crônica. Ele por sua vez me mandou mais além, na "Igreja do Evangelho Bipolar, onde o pastor de dia é Deus e de noite é o Diabo". Palavra do Afrânio, “Esse pastor conhece o caminho das pedras. Começou com menos de dez fiéis, hoje tem quase quinhentos. Vou aderir sem piscar os olhos. Se todos vierem comprar em minha loja, saio da crise". “Que Deus o abençoe, Afrânio, em seus projetos economico-religiosos”.
Que Deus abençoe a todos,
aos crentes como aos descrentes, aos fortes como aos fracos, aos amigos e inimigos, aos ricos e aos pobres, aos que traem e aos que são traídos. Dê-lhes saúde, pague suas contas, eduque seus filhos e livre-os do
mal, amém.
Agora, com licença, tenho
que atender à porta. Deus se cansou mais uma vez das arengas dos anjos e veio
falar comigo. Algum pedido?
©
Abrão Brito Lacerda
Abrão Brito Lacerda
Deus está em todos os lugares ou em lugar nenhum, depende apenas do indivíduo.
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