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Mostrando postagens de novembro, 2012

O DEUS DE PEDRA

Foto de Sérgio Gadelha             Era um tipo mediano, de cabelos grisalhos, aparados à altura das orelhas e densa barba descendo em “v”. Mas sua constituição era robusta: mãos calejadas, músculos fortes e pés de andarilho. O nariz era grande, desses que sempre chegam antes do corpo, e a boca, velada, de cujo antro partiriam provérbios enigmáticos:             “Quem vive na serra, tem gosto de terra.”             “Todo homem deve criar um deus a sua imagem e semelhança.”             Seus hábitos, embora simples como os de um monge, prestavam-se a toda sorte de especulações. As pessoas do lugar o conheciam como Dedeperre, Depa ou, simplesmente, Perre. Parece que, desprovido de parentes e derentes,  havia removido qualquer traço de história do próprio nome, resignando-se em ser o homem em si, sem epítetos: “Não carrego sobrenome, como não carrego mochila.” Morava aos pés da Serra do Trovão, na Chapada de Santana, cercanias de Ouro Preto. Era visto no alto da ser

A PAIXÃO POÉTICA DE FERREIRA GULLAR

Uma parte de mim é todo mundo: outra parte é ninguém: fundo sem fundo.          Meu primeiro contato com a poesia de Ferreira Gullar foi em 1981, ano em que foi publicada a coletânea Toda Poesia pela Civilização Brasileira, reunindo a produção do poeta de 1950 até aquela data.          Bons tempos: tudo tão ingênuo e utópico. Ingênuo porque ainda se acreditava em “revolução”, supondo com isso não apenas uma mudança no sistema econômico e social, mas também uma transformação das mentalidades e dos valores – em suma, acreditava-se que o homem ocidental poderia ser melhorado, pois ele seria “vítima” do sistema capitalista, que o condicionava e oprimia. Utópico porque os profetas do impossível abundavam, numa época em que os belos discursos valiam ouro e aqueles que tinham o dom da palavra eram admirados como verdadeiros ídolos. Alguns tinham o pé na era de paz e amor, cujos reflexos tardios entre nós ainda se faziam sentir, outros sonhavam com a esquerda marxista e est