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Mostrando postagens de junho, 2012

HUMILDADE

Francisco era operário em uma fábrica de tubos para construção. “Operário qualificado”, como dizia orgulhosamente, pois já tinham se passado os tempos duros de servente, e ele agora desenvolvia sua jornada sob os mandos da direção. Sobe! Desce! Avisa! Busca!             Em todos os seus projetos, aposentar-se naquele emprego era a prioridade. Contava os anos, somava as contribuições para a previdência, juntava as máquinas de sua futura oficina no quintal de casa, com a qual haveria de trabalhar até os dias finais da velhice.             Suas atitudes variavam segundo o lugar em que estava. Em casa, submetia a paciente mulher a um regime espartano, vivia às turras com os filhos adolescentes. Dizia: “Se pisarem no meu calo, dou o troco!”; “É do aproveito que o pobre vive”; “Só fiz escola primária, mas quero ver minha filha professora”.             Na fábrica era calado e obediente.             Seu lazer resumia-se ao passeio dominical na feira livre, onde tomava cacha

PAULO LEMINSKI: POESIA DO ACASO

Falarei do acaso para falar de Paulo Leminski (1944 – 1989), um dos poetas modernos que mais admiro e que leio com mais prazer. Pretendo transmitir um pouco da fruição que sinto ao ler seus poemas, como, por exemplo, o prazer do inesperado:          eu ontem tive a impressão que deus quis falar comigo         não lhe dei ouvidos quem sou eu para falar com deus? ele que cuide de seus assuntos eu cuido dos meus Você achou o poeta petulante demais? Ora, ele está apenas fingindo uma humildade que não possui, pois, enquanto artista, deve buscar o absoluto, o não dito. Deve rivalizar-se com Deus (seus assuntos são tão importantes quanto os do Criador, ora bolas!).          Acadêmicos e gente que adora esfolar o cérebro dirão que o acaso não existe, mesmo na arte, que tudo é obra de saber e técnica, etc., etc. Mas apreender o acaso é tudo que o artista busca. Mallarmé (vejam minha postagem de 17 de março de 2012 sobre o poema Salut ), o mestre que faz os